decides fazer o caminho a pé, apesar do vento. melhor, por causa, também, do vento - essa sensação de vida na tua cara, afirmação pungente de que, afinal, existes.
entras na livraria de bairro, com intenção de cumprimentar os livreiros mais simpáticos de lisboa. sai-te o mestre-de-cerimónias ao caminho e dispara: 'tu, leitor, diz-me: de que livros te recordas quando se quer falar de violência?'. recuas, pensas, pensas - diabo, em prosa? mas que tipo de violência?. ele responde - tudo, poesia também serve. e tu, de arma carregada com as munições que tão bem manejas, shoot'em up: larkin, bukowski, esses poetas da fealdade, da possível falta de sentido, do envelhecimento e da sexualidade, da banalidade trágica, do homem comum - essa violência surda, mansa que é a pior de todas, em certos dias.
a conversa flui para caminhos mais agradáveis. ele fala-te da sua actual paixão por maurice blanchot - nunca li, dizes, com humildade. ele fala-te de um livro no qual ele escreve sobre a importância do trabalho na sombra. a importância de se saber o que necessariamente virá. da subtil, mas fundamental, diferença entre a morte de Deus e a ideia da ausência de Deus. o regresso, o retorno como possibilidade. mas, não menos importante, a serenidade, a confiança, o trabalho durante a ausência. a fé?
minutos mais tarde, caminhas já sob o sol dourado deste outono em lisboa. e pensas para contigo: é isso mesmo. é isso mesmo. o segredo de que precisas, rapazola, é precisamente aprender a conjugar no primeiro sujeito do tempo presente essa coisa a que, como no título de um célebre ensaio japonês, podes chamar: o elogio da sombra.
luz.
- shall we never sink alone -
não estamos no facebook. nem no linkedin. nem no hi5. nem no twitter. nem no messenger. nem no livelink. estamos aqui e ali ao lado, naquela banquinha a que um dia chamaram vida. mas temos e.mail: theheartcompanion@hotmail.com somos moderadamente modernos.