foto: andrei tarkovski
cicatriz
os que vão morrer saúdam-te, césar,
lembrava-se ele dos livros de história,
como se à brutal finitude do tempo
correspondesse ainda e sempre
a finitude mais delicada do verbo.
nesses dias de bus touristic
tomava por seus os céus da catalunha,
improváveis testemunhas emprestadas
da sua história trágico-marítima
íntima (e, contudo, tão universal.)
a noite caía com suavidade, em tudo
menos na temperatura, gelada agora.
trombetas mudas anunciavam o apocalipse
que ninguém esperava, e que ninguém escutava.
som-silêncio universal (e, contudo, tão íntimo.)
a arte de perder não é difícil de dominar,
dizia uma célebre senhora, boa poeta,
e tudo isso lhe passava à frente,
uma visão futura indesejada
fazendo-se passar por outra coisa.
quando lhe falam de obscenidades,
recorda sempre este poema -
apesar de ter sido escrito no futuro,
é no presente mais vivo e doloroso
que usa e abusa do tempo mal-passado.
como as legiões romanas de outrora,
como as senhoras de meia idade do canadá de agora,
as palavras são enviadas para a morte,
estrelas que pontuarão os céus de amanhã,
indiferentes à sua triste sina ou só má-sorte.
hoje, dói-lhe o céu que ontem foi derrotado,
em batalha sangrenta, pela metafísica mais cruel.
as palavras são assassinos a soldo do monstro
que se esconde no inferno a que chamam devir.
tudo o resto é um rosto amachucado,
cheiro a cadáver de futuro decomposto,
amargo travo de açúcar que vai ser fel.
resta-nos rir.
resta-nos ir.