3 poemas de manuel de freitas (também conhecido como 'o maior'. e não é ironia.)
BECHEROVKA
norueguesa, alta, de um moreno
duvidoso que sorria muito.
pedia-me insistentemente para não estar
triste como deveras estava.
e pagou-me, creio, o último copo,
antes de me perguntar “o que fazia”.
escrever, sobre a morte, não é
exactamente uma profissão.
mas foi a resposta que lhe dei,
enquanto um guardanapo qualquer
abreviava, só para ela, a minha “obra”.
nunca saberei se percebeu a letra,
se comprou os livros, se chegou
a ouvir o que em péssimo francês
lhe tentei dizer nessa noite, a mais perdida.
os versos são quase sempre isto: um modo
inaceitável de dizer que não tocámos o corpo
que esteve, por uma vez, tão próximo
de nós – e que nem um nome breve nos deixou.
CAFÉ SCHILLER
foi tudo em vão, novamente.
estava a muitos quilómetros de amsterdão,
se é que me percebes, embora gostasse
das riscas negras dos sofás, do metal
antigo dos candeeiros, do andar
tão firme de quem servia as bebidas.
esta mulher vai entrar hoje
no meu passado. não sei como se chama,
nem me interessa sabê-lo. sorriu-me,
ou julguei que me sorriu, enquanto eu pagava
dois descafeinados, uma água com gás
e um jameson que sabia mal, a desamor.
vou pedir-lhe de troco o esquecimento,
a curta memória da blusa que lhe comprimia
o peito e dava às costas
um jeito irrepetível de prelúdio.
eu, que vou morrer, desejei-te.
FADO MENOR
habituou-se a caminhar
sob os plátanos, diluindo
ressacas e lembranças imperfeitas.
pouco teriam em comum.
foi num bar, o primeiro
encontro, em lados diferentes
mas não opostos do balcão.
ela vestia o mais ardente
vermelho que já vira,
sob um cinzento agreste que
o frio de janeiro quase desculpou.
não dormiram logo juntos.
mas ficou a dever-lhe um rasto
de esperma feliz, na cama
em que morria só. ao seu lado,
berkeley, wittgenstein, espinosa,
páginas de um curso que não queria
e que nem ao menos lhe sujava as noites.
semanas depois, passeavam de mãos
dadas pelo jardim ou pelas ruas
mais próximas do bar.
até ao dia em que deixou de vê-la.
coração em brasa, cinza por todo o lado
– um vermelho assim não tem regresso.
- shall we never sink alone -
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