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conduzes pela cidade, rumo a um dos últimos portos de abrigo. o céu, por cima de ti, cinzento majestoso, parece prestes a desabar, engolindo-te. os raios de sol, envergonhados, aguentam, por enquanto, o combate desigual. uns minutos à frente e a chuva cai sobre o cinzento-prata do teu carro. na rádio, o tiago abusa dos tons de chumbo, numa sequência alucinante de canções (fazendo do lema olímpico uma espécie de negativo: mais negro, mais baixo, mais desesperado - mais perto..). de repente, os velvet underground cantam 'candy says', essa estúpida canção (estúpida porque o que dói demais só pode ser uma estúpida partida). chove copiosamente. páras no semáforo, já às portas da cidade, capital civil de um estado. encostado à beira da estrada, um homem, ainda jovem, com um defeito físico evidente, parece estar a vender qualquer coisa. aguenta a chuva que cai verticalmente sobre ele, com a impassividade dos há muito vencidos (algo que só certas pessoas entendem, algo que não se explica, algo que se sente). dois carros à frente do teu, está um carro da polícia, também à espera do semáforo. um dos polícias, adivinhas, faz sinal ao homem, que se aproxima da janela do condutor. este parece perguntar-lhe qualquer coisa e parece dar-lhe qualquer coisa para a mão (uma moeda?). o sinal verde cai, tu arrancas, a chuva cai, os carros deslocam-se, na rádio a nico canta aquelas palavras malditas, o cinzento, lá em cima, ri-se, de ti, dos homens, deste mundo, o vidro começa a embaciar-se, aceleras, saúdas, de janela aberta, o homem, que te devolve a saudação, ficando para trás, chove lá fora, chove dentro de ti, candy says, choras. pelo homem, pelo mundo que deixarás aos vindouros, candy says.


choras.


se isto é um homem. sim, isto é um homem.