- shall we never sink alone -

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sexta-feira, 2 de outubro de 2009

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querida júlia,

um tipo levanta-se, manhã cedo, verificando que a hipótese de ser sexta-feira é verdadeira. há uns meses atrás, ser sexta-feira era todo um mundo de possibilidades, como bem sabes. sinal de amor, escrito assim, sem medo. hoje, ser sexta-feira é uma notação de almanaque, uma constatação própria das ciências exactas - por isso mesmo, frias. difícil adocicar a mágoa, dar de beber à saudade xarope de açúcar, resistir ao veneno que teima em dar o beijo de judas às artérias. mas é possível. e a isso, a essoutra hipótese, nos agarramos como podemos. como devemos. como somos, no fundo. ainda bem, pensamos. ainda bem que, ao menos, somos assim. podemos ser miseravelmente infelizes, mas nem tudo na vida se mede por esse barómetro. às vezes, por muito que isto nos custe aceitar, podemos ter que ser infelizes, desalegres, para podermos ser inteiros. entendes-me, não entendes, querida júlia? eu sei que sim.

era contudo sobre outra coisa que te ia escrever. as palavras são assim, ganham vida própria, domesticam os meus dedos, escrevem-se. os movimentos espíritas defendem que há livros escritos por terceiros (espíritos), através de pessoas vivas - curiosamente ou porque dá muito jeito, escritores (alguns até famosos e insuspeitos quanto a tais associações). às vezes, quando me sento a escrevinhar, quase que sinto isso. como se um fluxo me atravessasse. como naqueles momentos em que escrevo de rajada, sem correcção posterior, e acabo à beira do colapso, em risco de comoção nada metafórica. as palavras.

mas, querida júlia, ainda não era sobre isso que te queria escrever. o que te pretendia dizer esta manhã é que me sentei num café que não frequento, minúsculo, de bairro. enquanto matava a minha fome de cafeína - fome moderada, mas fome -, li um bocadinho, relia, treslia, o mais recente livro de ana luísa amaral. voltarei, nos próximos dias a este livro, deixa-me dizer-te. retomando o fio à meada, a verdade é que lia e, coisa não rara em mim (mas mais rara nos últimos tempos, a conselho 'médico'), me comovia. ela sabe, sabes? ela percebe, percebes? ela diz-nos ao ouvido um segredo. o segredo de pôr em palavras certeiramente certas aquilo que nós sentimos e não sabemos dizer. ou temos medo de dizer.

enquanto lia, a rapariga do cafézinho ia fazendo as suas coisas. de súbito, passou por mim e estancou, na exacta projecção do meu olhar, enquadrada pela porta do café, voltada para fora, para a rua. o meu olhar sempre habituado a um pudor extremo (e que não bate certo, devo dizer-te - como se tu não soubesses..), percorreu-a com doçura e respeito. esbelta. bonita, de certa maneira, poder-se-ia dizer.

foi então que percebi. a minha vida tem sido uma luta titânica, sem quartel, entre um mundo interior em permanente convulsão, o reino da profundidade e do sentimento desbragado, e o mundo exterior, sensorial e sensual, também ele em permanente convulsão.

adivinhaste, querida júlia, i want it all. porque, bem posso dizer, também eu sou isso tudo. aquele livrinho torrencial, cravado no meu coração. e aquela silhueta feminina e feminil, tatuada metaforicamente no meu corpo. um, puxando-me para a vertigem interior; outra, empurrando-me para uma espécie de voracidade. por isso, em verdade te digo: trava-se neste momento uma batalha. e dela posso afirmar sem errar muito o alvo: quem ganhar não fará prisioneiros, conduzirá os seus exércitos até à aniquilação do opositor. glóbulos brancos contra glóbulos vermelhos, se quiseres uma frase de efeito simples e garantido. mas, dizia-te, querida júlia, o que eu queria mesmo era tudo - o que eu queria mesmo era, sem guerras, não ter que escolher, era chegar a esse ponto de equilíbro onde, há uns meses atrás, pensava ter finalmente chegado.

daí esta terrível saudade. que, por uma vez, não é ainda a palavra certa.

sabes, querida júlia, este texto merece um título. vamos a isso?

this is a love song?


assim seja, amiga. porque, de facto, this is a glorious love song. and a song for someone.

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