querida júlia,
aqui estamos, são 23h de sábádo, encharcados em jornais de sexta e semanários. adivinhamos que lá fora há outra cidade, a cidade que um dia foi nossa - mas, querida júlia, isso foi há tanto tempo. dizia-te, tal como acontece com as canções, os livros, todas as belas artes, que somos forçados a deixar de frequentar, com a morte do amor, há uma alteração geográfica - física, podes dizer - que acontece no espaço que habitamos. todos o sabemos, de quando em vez. sim, querida júlia, assim é, nada podemos verdadeiramente fazer quanto a isso. esquece os amigos, longe, nas suas vidas. esquece as conquistas antigas, esses escombros talhados a cinzel na tua memória - quero dizer, na minha memória. nada de nada ajuda, farmacopeias incluídas. temos que refazer as coordenadas e saber abdicar com dignidade. ora abdicar é uma fina arte, se por acaso usássemos o inglês entre nós. querida júlia, esta cidade não é a cidade intensa, febril às vezes, alegre, solar e nocturna que conheci. o coração de sábado à noite, cantado pelo tom waits e decantado em carne viva naquele livrinho do manuel de freitas, pode ser cruel. mas, antes ou depois, chega o momento em que o ínclito príncipe abdica. eu abdiquei desta cidade, querida júlia. da cidade que já foi minha, tantas e tantas vezes. da cidade que perdi, outras tantas. é este também o jogo da vida, esta corda tensa que vamos manuseando como podemos, entre distensões curtas e o medo de que a tensão exagerada conduza a uma quebra. na corda, como na mão. como no coração. querida júlia, é sábado à noite, não saio de casa há 3 meses. descubro outras coisas, faço o luto da cidade e da memória e da alegria. da pele, do rosto cinematográfico, da pele. desculpa-me, júlia, o desabafo. desculpa-me, júlia, o embaraço. mas, júlia, como diz a outra senhora de que muito ambos gostamos: só não me desculpes a ternura.
- shall we never sink alone -
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