não há flores nas jarras, nem velas sobre a mesa,
nem retratos escondidos no fundo das gavetas. sei
que um poema se escreveria entre nós dois; mas
não comprei o vinho, não mudei os lençóis,
não perfumei o decote do vestido.
se ouço falar de ti, comove-me o teu nome
(mas nem pensar em suspirá-lo ao teu ouvido);
se me dizem que vens, o corpo é uma fogueira –
estalam-me brasas no peito, desvairadas, e respiro
com a violência de um incêndio; mas parto
antes de saber como seria. não me perguntes
porque se mata o sol na lâmina dos dias
e o meu mundo continua à tua espera:
houve sempre coisas de esguelha nas paisagens
e amores imperfeitos – Deus tem as mãos grandes.
..
diz-me o teu nome — agora, que perdi
quase tudo, um nome pode ser o princípio
de alguma coisa. escreve-o na minha mão
com os teus dedos — como as poeiras se
escrevem, irrequietas, nos caminhos e os
lobos mancham o lençol da neve com os
sinais da sua fome. sopra-mo no ouvido,
como a levares as palavras de um livro para
dentro de outro — assim conquista o vento
o tímpano das grutas e entre o bafo do verão
na casa fria. e, antes de partires, pousa-o
nos meus lábios devagar: é um poema
açúcarado que se derrete na boca e arde
como a primeira menta da infância.
ninguém esquece um corpo que teve
nos braços um segundo — um nome sim.
maria do rosário pedreira