querida júlia,
(sade-eyed lady of the lowlands, de bob dylan, enche-me a manhã. como é possível ser-se assim perfeito? como é possível? como se pode ser humano e tocar assim outros seres humanos, com esta intensidade directa ao coração? só conheço um sentimento humano que se assemelha e, por pudor, não vou dizer qual é ele. apetece-me escrever Ele, mas depois lançavam-me anátemas, não é, querida júlia? as coisas são o que são.)
mas não era nada disto que te queria escrever. queria dizer-te que encontrei ontem, numa festa, um senhor que é também (para além de ser um senhor..) um dos maiores especialistas em banda desenhada, aqui do nosso burgo. cresci, numa vilazinha do interior do país, como sabes, também a ler aquilo que ele foi escrevendo, num bem conhecido semanário, sobre a história e as histórias desse mundo estupendo que a melhor banda desenhada pode ser. agradeci-lhe, a ele já avô de netos, as horas que me deu, os mundos que me revelou, nesse tempo em que eu vivia ainda num porto à espera de me lançar ao mar. os olhos brilharam e arrancou para gloriosos 30 minutos sobre a banda desenhada em portugal, numa velocidade torrencial, demonstrando um saber pedagógico que só as pessoas generosas têm. este senhor foi toda a vida responsável por bibliotecas em, adivinho, desinteressantes direcções-gerais de bafientos ministérios. o seu gosto imparável por banda desenhada, a sua erudição amorosa pela bd, foi, aposto eu, também uma forma de fugir à modorra do quotidiano, às leis da gravidade mais soturna. como eu o entendo, querida júlia.. eu não sei nada sobre nada - a coisa mais importante, contudo, que um ser humano decente pode saber, pela implicação ética que acarreta (mas será que sei isto, se, como acabei de dizer, não sei nada?). querida júlia, estou-me a perder (e talvez a perder-te), neste intricado jogo de texto e subtexto, de linguagem e de meta-linguagem. o que te queria mesmo dizer é que também me especializei numa área, como aquele senhor: sei tudo sobre o inverno. o problema é que, ao contrário dele, o meu saber extensivo e intensivo sobre essa estação (interior) nada acrescenta aos meus 'fellows'. não faz do mundo um lugar mais bonito. não me salva. querida júlia, quando um dia tiveres os filhos que mereces, lembra-te disto: a vocação é uma coisa importante. assegura-te de que os petizes aceitam a sua vocação, mas afasta-os das temperaturas frias. eu sei que sabes que este é um conselho (de) amigo.
querida júlia, tenho frio.
- shall we never sink alone -
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