- shall we never sink alone -

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terça-feira, 29 de setembro de 2009

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repara. há aquele jovem fotógrafo que decide abraçar o mundo, viver aventurosamente, deixar para trás o conforto da decadência (ou a decadência do conforto). corre o planeta, conflitos aqui, conflitos ali, miséria em todo o lado. e beleza em todo o lado. suprema contradição que nenhuma teoria consegue captar, quanto mais explicar. repara. um dia, como se fosse por acaso, dá por si num daqueles campos de morte, algures em áfrica, onde pessoas que se chamam, por exemplo, joão, morrem de fome. pessoas que são filhos de alguém, entendes? repara melhor. agora és o nosso jovem fotógrafo. de repente, a providência (ias escrever divina, mas reparas que parece uma terrível impossibilidade) faz-te olhar em volta. alguma coisa se mexe. a uns quantos metros de ti, vês uma coisa apocalíptica. o cadáver ainda vivo de um criança pequena. viras-te. reparas. é o horror, o horror. how low can we go?, pensas. o inferno é sempre pior do que havíamos imaginado. por cima da criança, um abutre abre as longas asas da morte e prepara o assalto final. reparas. mecânicamente, adrenalina e pasmo, convulsão e brilho nos olhos, disparas, uma e outra e outra vez. uma destas fotos correrá mundo. será capa de revistas famosas. ficas conhecido, como sempre desejaste. repara. de repente, passou algum tempo. levanta-se um clamor, pequeno aqui, maiorzinho ali, queres fugir, voltar lá, apagar - martelos pneumáticos, repetição cacofónica, zumbido de balas por todo o lado. dizem-te: como foi possível teres estado lá, disparado a máquina de fotografar e ter virado costas? respondes que não és uma associação humanitária. não és o super-homem. nunca poderias salvar toda aquela gente, provavelmente nem aquela criança. repara, perdeste o sorriso. perdeste o juízo. odeias os espelhos, os amigos. odeias-te. repara: hoje é o dia. e pelas tuas próprias mãos que nada fizeram pôes fim ao suplício. repara: podes chamar-te um nome qualquer. podes não gostar de fotografia. podes nunca sair do lugar. podes ignorar o mundo. podes ignorar toda a gente e cada indivíduo. serás ainda e sempre tu-e-aquele-jovem-fotógrafo. repara: com a mesma mão que disparaste a máquina, disparas agora o revólver. e adormeces embalado pelo sangue teu e por esse sentimento de, ao menos, teres feito justiça poética. deixaste um 'statement' político radical. e, nos últimos momentos, reparas, há uma criança às costas de uma águia real e é ela que te puxa, que te dá a mão. nela é o teu rosto que vês. só assim, sabes, é possível sobreviver. morrendo-te.

repara.



[este texto é uma homenagem póstuma a um fotógrafo que um dia teve o azar de vislumbrar o inferno e de voltar para contar. há coisas que, quando olhadas bem nos olhos, nos devolvem um grito lancinante. parafraseando, livre e sombriamente, a senhora woolf:

an explosion of pain, their final sigh: a cry of impossibility.]

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